Há algo em comum entre vários lugares do Norte de Portugal e Espanha: as fortes tradições em torno das máscaras e aquelas que as usam. Cada um destes eventos tem o seu próprio simbolismo e calendário, quase sempre se celebram por volta do Solstício de Inverno ou Entrudo. e as origens são igualmente semelhantes: rituais pré-cristãos de origem céltica. Estes são rituais onde o anonimato permite tudo o que não é tolerado no resto do ano, os ricos trocam de lugar com os pobres, assuntos que são escondidos durante o resto do ano podem agora ser apontados e mesmo vingados sob a protecção das máscaras e dos caretos que as usam. E o que tornou Lazarim conhecida foram essas máscaras de amieiro, elaboradas peças de madeira esculpida que, na sua forma mais tradicional, toma a forma homens, senhorinhas e, as mais populares, demónios.

Sumário escrito no quadro da escola primária, escrito no último dia de aulas antes do Entrudo

Oficina do Adão, com máscaras terminadas e ainda em curso.

Eduardo a trabalhar uma máscara a partir de um bloco de amieiro.

Idoso com uma máscara gravada numa bengala.
Lazarim está encravada num pequeno vale perto de Lamego, para lá chegar há que passar pelo topo da Serra de Montemuro, um dos locais mais elevados de Portugal e que contém aquela beleza dura que só uma zona de montanha pode dar. Numa breve paragem é mesmo possível contemplar a estrada sinuosa que desce a encosta, Ã distância a presença humana torna-se mais frequente, mostrando o caminho para o destino. Conduzindo encosta abaixo a vila começa a aparecer aos poucos, primeiro com o campo de futebol vazio, para depois aparecer após uma curva, protegida e escondida pela encosta no fundo do vale. As máscaras são obvias e estão por todo o lado, não apenas por chegar em pleno Entrudo, mas também porque é díficil não ver as icónicas máscaras, em posters afixados em paragens de autocarro, gravadas na pedra de fontanários. Faz todo o sentido ter nascido aqui um centro de interpretação da máscara ibérica.
“O Carnaval nasceu connosco!”, dizia-me Amândio Lourenço numa das vezes que nos cruzamos nas ruas, em que falamos sobre a vila e as suas máscaras, por entre histórias da sua última caçada, e ele sabe bem do que fala: foi um dos grande motores em manter a tradição vida e trazê-la para o final do século XX. Como em todas as tradições de entrudo, a sua natureza pagã combinada com os seus rituais que desafiavam a autoridade significavam que era uma tradição nada bem vista pela Igraja ou o regime. “Frequentemente éramos chamados a ir a tribunal a Lamego, quando acontecia ia a aldeia em peso pagar a multa”, acrescentou mesmo antes de seguirmos cada um o seu caminho.
Com o fim da ditadura este lado desafiador da tradição desapareceu, e o Entrudo de Lazarim evoluiu. Às máscaras tradicionais, aos testamentos lidos em público e ao cozido de 3ª Feira Gorda (que perdi…) juntaram-se novos: agora caretos e grupos de outras paragens juntam-se à festa, à medida que as ligações entre as várias tradições de máscara ibérica se tornam mais fortes; e um concurso anual de máscaras entre os artesão locais foi criado e criou uma competição intensa entre eles. Novas máscaras apareceram, construídas com ferramentas modernas e que mostram figuras do quotidiano (algo que encaixa noutros lados mas parece deslocado em alo tão intemporal como o Entrudo de Lazarim), mas outros mantêm as tradições, sejam nos desenhos ou no método de fabrico. Comprovei isso mesmo depois de caminhar aldeia abaixo, ao longo da estrada que ali se tornou na rua principal, quando cheguei à oficina do Adão. Lá o Eduardo, o filho, trabalhava um maciço bloco de amieiro, desbastando pedaço após pedaço, já com um esboço do demónio que será o desenho final. “Não se põe a máscara que se quer, a máscara já está na madeira e o trabalho do artesão é torná-la visível”, uma maneira muito poética de dizer que tem que se trabalhar com a madeira para chegar a um produto final, forçar algo é receita para o fracasso.
Enquanto caminhava pelas ruas estreitas de paredes de pedra estava a ficar cada vez mais próxima a hora do cortejo de Domingo Gordo, que era óbvio com os ensaios de última hora ou a multidão a juntar-se na rua principal, mas ainda havia tempo para um copo de jeropiga numa adega escura (não são todas?), e mesmo antes de o caretos correrem Lazarim abaixo.

A encosta junto a Lazarim.

As casas velhas na vila.

A tomar um copo de jeropiga na adega de uma das casas da aldeia, antes de ir para o cortejo.

Cortejo de Entrudo, início com os caretos a preparar-se.

Cortejo de Entrudo, rapaz encantado com um dos caretos.
Veja esta série completa na minha galeria
Pode também ver as restantes fotos de Lazarim bem como todas da região da Beira Alta
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